“O
ideal cristão não foi testado e reprovado. Ele foi considerado difícil e deixou
de ser experimentado.” — G.K. Chesterton


Um dos edifícios valoriza
conceitos apreendidos pela contínua elucubração das artes: seu mero vislumbre comunica
a inspiração celeste, conduz gentilmente o olhar para o alto, ultrapassa horizontes
de consciência; no outro, pretendeu-se revolucionar. A tradição e a dignidade
que lhe seriam propícias foram desprezadas, e tudo foi reduzido ao princípio
mais rudimentar da engenharia: uma base volumosa a sustentar uma cobertura exígua. Ponto. Que se experimentasse juntar com a mão um punhado de areia e, em seguida, despejá-lo sobre a terra:
ter-se-ia projeto bastante semelhante. Formigas poderiam construí-lo. Por resultado, o exterior do prédio é
uma incógnita — não transmite, per se,
valor algum. Quando se ingressa no ambiente, em lugar daquela impressão de gentil
elevação da alma a Deus, o visitante sente-se esmagado pela magnitude do nada.
O espaço aberto é tão nulo em significado que bem poderia ser um ginásio de
esportes. Não faria diferença.
Onde ficou a mensagem?
A inspiração medieval mais
ou menos fidedigna nunca cessou de povoar a literatura europeia. De Cervantes a
Tolkien, passando por Sir Walter Scott, Andersen, irmãos Grimm e C.S. Lewis; desde o gênio shakespeariano, atingindo as deturpações
eruditas de Umberto Eco ou o proveito popular de George R. R. Martin, o período
guarda um encanto intrínseco bastante notório, pois foi a síntese material e a
fonte mitopoética de quase todo o arranjo humano subsequente.
Enquanto alguns indivíduos
brilhantes encontram no legado medieval um nicho de mercado tão vasto quanto a
cristandade de outrora, aquela entidade que bem se poderia dizer a mentora (ou
inventora?) do período faz todo o possível para escondê-lo sob o tapete. Com
relação ao legado medieval, setores da Igreja comportam-se como aquela senhora de idade que,
ocultando em seu porão relíquias inigualáveis, capazes de maravilhar a qualquer um, prefere redecorar a casa ao gosto do vizinho rico, excêntrico e de poucos amigos,
esperando que este a freqüente com mais constância ou, quando muito, deixe de pisar-lhe as flores do jardim.
Ninguém está a advogar que a
Igreja se engesse em um determinado tempo, tornando-se uma espécie de parque
temático. Não! Trata-se do exato oposto. Não queremos uma Igreja
artificialmente estagnada no medievo, no renascentista ou no barroco, tanto
quanto não a queremos sitiada pelas viseiras estreitas da pós-modernidade. Galgamos,
um dia, estar “sobre os ombros de gigantes”. Teremos descido e esquecido o
que aprendemos?
A Igreja Católica, por ser
universal, é a presença, no tempo, da totalidade dos tempos. Nossa humilde ambição
é não deixá-la o olvidar, face ao constante assédio do presente sobre o patrimônio do
eterno. A contemporaneidade produz tamanho ruído! Há que prestar atenção para escutar, lá ao longe, o badalar do sino da manhã.
Certos patamares de
perfeição foram atingidos ao longo da história humana. São vias de acesso ao
sublime, de caráter atemporal, como supratemporal é, em si mesma, a natureza
divina. Quando a Igreja recebeu, de Cristo-Deus Encarnado, a missão de guardar
as chaves para o Reino dos Céus, estava expresso que o Corpo Místico de Cristo
seria, no mundo das formas transitórias, uma âncora para o terreno das verdades
imutáveis, e que deveria sempre realizar ao reino de cá a possibilidade de
acesso ao de lá: ser imagem e semelhança da completude e da estabilidade divinas,
um faro da luz primordial em um mundo incerto e tempestuoso.

Assim, se identificamos
certas realidades humanas para com uma dada antiguidade histórica, tanto melhor
que a recuperemos! É sinal de que estiveram bem representadas na memória do
homem. Sinal, sobretudo, de que já nos foram auferíveis. Se o foram um dia, é
possível que o sejam sempre. Resta considerar se — e por quê — não mais no-lo
são agora. Terão os símbolos da ordem cristã realmente perdido sua
significância, de tal modo que devamos buscar novas formas, abandonar nossos
traços distintivos em favor de métodos que nos são estranhos, vindos de nossos
irmãos mais novos? Ou fomos nós, os católicos, quem voluntariamente abrimos mão
de nossa identidade para não ferir uma sensibilidade moderna não mais que imaginária
– a mesma sensibilidade que forjou o mito tão contraditório da “Idade das
Trevas”, enquanto inventava sozinha a ideologia, o genocídio, a bomba?
Parece-me que o mundo
contemporâneo está sedento pelo sublime, no exato modelo em que a Igreja lho
ofertava outrora, e que apenas ela, a Igreja, tem a oportunidade e o dever de
apresentar ainda agora. Mas alguns, mesmo habitando à sombra benfazeja da
Cidadela do Eterno, negam-se a oferecer o que dela se espera. Ao contrário,
pretendem que ela se insira no “mercado das ideias” com as mesmas práticas e
propostas que se encontram em qualquer bar de esquina, entre mil e um concorrentes.
Não, não e não! A humanidade precisa da Igreja Católica, eis que o homem precisa de Deus, e Deus é o sumo bem, e o sumo bem é universal e absoluto. Como nos dizia a presença da Igreja de sempre. A
Igreja do eterno que se desvelou no contingente. A Igreja nascida para
refletir, neste mundo, o outro; não uma Igreja que exacerbe as modas e os usos
que a sociedade encontra fartos por si mesma.

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*“Custodi me ut pupillam oculi, sub
umbra alarum Tuarum protege me”: no dizer do salmista (Vulg., Sal., 17:8),
“Guarda-me como a pupila dos olhos, esconde-me à sombra de Tuas asas.” Agora e sempre, assim na Terra, como no Céu.
Um comentário:
Parabéns, meu amigo Leonardo. Analise objetiva e completa da realidade de uma Igreja, chamada a ser Lumen Gentium, e que infelizmente, pela mediocridade de alguns, mal consegue ser um fraco lume... Teu artigo serve de reflexão e fundamentação para uma nova postura, no sentido de não envergonhar-se dos valores cristãos que impregnaram a cultura, a arquitetura etc. do Ocidente. Está destinada a desaparecer a cultura que renega suas raízes. Forte abraço.
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