“Suponhamos que surja em uma rua grande comoção a respeito de alguma coisa, digamos, um poste de iluminação a gás, que muitas pessoas influentes desejam derrubar. Um monge de batina cinza, que é o espírito da Idade Média, começa a fazer algumas considerações sobre o assunto, dizendo à maneira árida da Escolástica: «Consideremos primeiro, meus irmãos, o valor da luz. Se a luz for em si mesma boa…». Nesta altura, o monge é, compreensivelmente, derrubado. Todo mundo corre para o poste e o põe abaixo em dez minutos, cumprimentando-se mutuamente pela praticidade nada medieval. Mas, com o passar do tempo, as coisas não funcionam tão facilmente. Alguns derrubaram o poste porque queriam a luz elétrica; outros, porque queriam o ferro velho; alguns mais, porque queriam a escuridão, pois seus objetivos eram maus. Alguns se interessavam pouco pelo poste; outros, muito. Alguns agiram porque queriam destruir os equipamentos municipais. Outros porque queriam destruir alguma coisa. Então, aos poucos e inevitavelmente, hoje, amanhã, ou depois de amanhã, voltam a perceber que o monge, afinal, estava certo, e que tudo depende de qual é a filosofia da luz. Mas o que poderíamos ter discutido sob a lâmpada a gás, agora devemos discutir no escuro.” ("Hereges", G.K. Chesterton)
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As últimas noites
registraram cenas de guerra civil em diversas metrópoles do país. A causa
alegada: a elevação das tarifas para o transporte público urbano. Pois sim! É
dito que o brasileiro é um povo que leva mais em conta sua carteira do que a
vida de seu irmão, e pode haver algum fundo de verdade nisso. Enquanto
cinquenta mil cidadãos têm suas vidas ceifadas a cada ano diante da simbiose
entre governo e narcotráfico, ninguém move uma palha. Ou enquanto bebês são
mutilados pelas próprias mães, sob a chancela do Estado e incentivo da grande
imprensa. Tampouco quando a corrupção faz-se endêmica, políticos escolhem vencedores e perdedores com seu regime de fomento industrial fascistóide e
inflacionam a moeda, transferindo renda dos mais necessitados aos mais ricos; ou
pelas distorções representativas brutais que se acentuam nos parlamentos; pela
falência do pacto federativo e pelas revisões judiciárias da lei positiva que, quotidianamente, tripudiam sobre o direito natural. Nem se manifestam ao verificar como pedófilos
transnacionais ditam a política educacional; a carga tributária avança a
patamares confiscatórios; progride a perseguição antirreligiosa; a pátria, antes miscigenada, vem dividida em raças ideológicas; e seu território, em uma colcha de retalhos
de "nações indígenas", onde sequer as Forças Armadas podem ingressar.
Não obstante, aumente-se em um vintém o valor das passagens de ônibus e – fiat lux! Vira-se a mesa ao ponto de
agredir policiais, destruir equipamentos públicos e bens históricos
inestimáveis, arriscar o patrimônio próprio e o alheio e ameaçar a integridade
de transeuntes inocentes, como em querela de vida ou morte.
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Todavia, pode-se mesmo afirmar que massas de manobra sectárias representem o povo? De forma alguma. O povo
brasileiro não é dado a expedientes de turba, nem covarde ao extremo de
procurar o anonimato para atos de depravação e catarse. Os criminosos in casu são soldados. Estão a cumprir
ordens. Tal espécie de balbúrdia em escala não se dissemina espontaneamente.
Requer organização e planejamento intensivos. Sendo assim, a quem pertenceria "a mão que balança o berço"?
Quem detém tamanha capacidade de mobilização para o ilícito com fins políticos
no Brasil? A indagação não quer calar. Alguém ousa responder-lhe?
O fato é que, se o estopim
de todos os atos a dominar os jornais efetivamente fosse o preço do referido
serviço público, nenhum dos movimentos alegadamente sociais que se apresentam
estaria apto a resolver o problema. Limitam-se todos a demandar almoços grátis,
se é que encontram tempo hábil para algo demandar entre as copiosas tarefas de
arrebentar um monumento aqui e apedrejar uns funcionários públicos (muito mais
pobres do que eles) acolá.
Não bastasse a cartelização
oficiosa (perdoem-me a tautologia, já que qualquer cartel ou monopólio só se
faz possível mediante garantia estatal) do atendimento à exigência por
transporte coletivo, pela qual empresas são simplesmente proibidas de oferecer
serviços melhores a custos menores que os das preferidas pelo governo de turno,
há ainda que considerar os efeitos perversos da demanda infinita. É o resultado
direto da legislação que compele as concessionárias, mediante tungada estatal,
a oferecer gratuidades e subsídios a parcelas significativas de usuários (e.g.,
estudantes universitários de classe média alta) às expensas de todos os demais
(e.g., trabalhadores de classe média baixa sem padrinhos políticos). Tais
realidades, nenhum dos chamados “Movimentos Passe Livre” dispõe-se a enfrentar. Na
verdade, pretendem ampliar a dose do veneno. E de veneno eles entendem. Tanto
quanto o fazem de barricadas e coquetéis molotov.
A tudo isso poderia opor-se
o oráculo do senso comum (um desses que se saem pré-moldados das universidades
brasileiras): "o transporte urbano é
essencial à economia! Sendo um serviço público de primeira necessidade, não
deveria ser relegado à iniciativa privada!"
Responda-se com toda a
veemência: tem razão! É injustificável que um serviço tão fundamental quanto o transporte de Sr. Fulano do ponto A, onde
vive porque lhe é conveniente, ao ponto B, ao qual deseja chegar por seu
particularíssimo interesse, possa ser oferecido livremente pelo Sr. Ciclano,
motorista apto, proprietário de veículo regular, interessado em conduzir Sr.
Fulano de forma condizente ao melhor gozo das faculdades cognitivas de ambos,
sem prejuízos a terceiros (beneficiando, aliás, demais usuários pelo caminho). É
serviço demasiado complexo para que seja relegado a pessoas livres, atomizadas! Algum burocrata tem de planejar o trajeto, ora pois. Imaginem só
se deixássemos, digamos, a produção e a
distribuição de alimentos ao encargo da iniciativa privada. Estaríamos
todos fadados a morrer de inanição, inteiramente dependentes da cobiça caótica de quitandeiros, supermercadistas, horticultores, agricultores e
pecuaristas privados, sem esse aprazível vale-racionamento
mensal de... Ups!, estamos falando do
Brasil, não é? Pensava que fosse de Cuba. Perdão.
______________________________Leituras recomendadas:
- Brincando de Revolução, por Rodrigo Constantino
- O casamento do estado-babá com o estado prevaricador, por Reinaldo Azevedo
- Protestos em São Paulo e as janelas quebradas, por Flávio Morgenstern
Um comentário:
uma luta não invalida outra.
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