"Os participantes de um
movimento político normalmente ignoram seu fim, seu motivo e sua origem." –
Nicolás Gómez Dávila

Parafraseando Chesterton (mencionei
a passagem lá pelos idos do Conclave, também, quando a tropa comemorava o
"iminente fim da Igreja Católica" – a propósito, teria sido
postergado?), a sabedoria da continuada investigação sobre a verdade,
empreendida pelo homem em um contínuo de lá se vão quase três mil anos,
permite-nos avaliar as coisas do modo com que comovem a humanidade, e não
apenas pelas últimas notícias dos diários. E o que estou a ver – sinto muito,
gostaria de poder ignorá-lo! – difere de todos os momentos que tenham, em
qualquer contexto histórico, levado às grandes realizações do espírito. Nenhum
deles deu-se assim. Ao contrário, essa que está aí foi a configuração perfeita
para fortes reveses civilizacionais. Entre eles contam-se seus precedentes. E eu
não posso me permitir calar ao ver filme repetido. Serei chato. Anunciarei o spoiler, sim. Porque a miséria e as
balas, aqui, não são cenografia e festim.
Quando toda a agitação
atingir sua encruzilhada, entre três vias apenas haverá por decidir: a do fogo
de palha, que logo se consome e deixa pouco mais do que cinza e poeira; a de um
crescendo autoritário, em que a mobilização de massa efetive-se como condição
de possibilidade para a desinstitucionalização. A última, menos provável de todas,
única capaz de deixar ao país um legado positivo, é o despontar de uma liderança
iluminada. O diabo – com o perdão da palavra – é que, entre nós, esse vocábulo ("iluminada")
reveste-se mesmo de conotações sobrenaturais, pois tal liderança ora não
existe, e seu surgimento demandaria uma intervenção direta do Criador na História. É a esperança de um
milagre.
Entrementes, vejamos as
grandes manifestações cívicas, as verdadeiramente positivas. Estas são
destinadas não a romper, mas a restaurar a ordem mais perfeita a uma dada politeia. Neste exato momento as encontramos
quer na Europa, quer nos Estados Unidos, e diferem das nossas em forma e em
substância, a um ponto tal que se faz visível: basta um bater de vistas. Dias
atrás, eram quantos milhares, em Paris e por toda a França, contra a agenda do
governo deles (idêntica à do nosso, apontemos, porque sacramentada desde as
agências da ONU e coordenada pelas mesmas fundações transnacionais²)? E nos Estados Unidos? E qual o
saldo? Efetivamente, os governantes de lá aquartelaram-se, temerosos. Hussein Obama,
o Grande Irmão infanticida, está às turras pela descoberta de uma pequena parte
da teia que teve de armar para proteger seus programas apátridas contra a ação cidadã.
É que esses movimentos, lá, efetivamente são um empecilho aos projetos de poder
dos governantes, porque trazem pautas e projetos completamente alheios à
vontade dos últimos. São uma alternativa real.
Já o modelo de protesto que
se trouxe para cá não foi o do civismo restaurador. Foi, em parte, o surgido
nas periferias das capitais europeias, com a segunda geração de imigrantes de
países muçulmanos, que, à diferença de seus pais – eternamente gratos pela
acolhida redentora –, eis que sem conhecer os comos e porquês de onde se encontram, têm absolutamente toda a sua existência
custeada pelos Estados, mas, ainda assim (porque assim!), guardam em seu âmago
uma frustração voraz. Demandam do Estado, a qualquer custo, que obtenha
mais meios de ação para desviar às suas vontades. Querem ser servidos com
mais, e muito mais, como o monstro sem fundo da noite escura, cuja fome, se
pudesse, devoraria o mundo inteiro sem quedar saciada. Fazendo-o,
imaginam-se grandes rebeldes e matutos contestadores da ordem estabelecida.
É também o modelo dos
ativistas de 1968, que, conforme já apontamos em comentário anterior, agindo
exatamente assim, foram os responsáveis diretos pelo estado atual das coisas no
ocidente. Pior: mesmo a pauta destes era infinitamente mais precisa, tanto em
meios, quanto em fins, do que a que se está afirmando no momento presente.
Pior de tudo, traz os mesmos
signos e agentes inconfundíveis de um terceiro elemento, surgido na esteira da
experiência islamista europeia e levantina, mas aperfeiçoado para
universalizar-se: os movimentos anárquicos e predatórios dos Occupies americanos, que incorporam a
pura fúria disruptiva dos fanáticos de um lado, e a agenda de reengenharia
comportamental muito cara aos pedagogos da academia, de outro, atualizando o
discurso neomarxista para a era das redes. Lá, como cá, pautas, condutas,
vocabulários de extrema-esquerda forçam sua dialética sobre governos em si
mesmos esquerdistas. No mais das vezes, a juventude que deseja integrar a
vanguarda dessas causas, de conteúdo necessariamente indefinido, sequer se dá
conta de suas implicações. Não é preciso que se dê. Basta que a leve adiante. “O
importante é caminhar...”, convence-os a elite de ideólogos que vê de sobre as
brumas, do ponto supremo da nau.
As manifestações cívicas
buscam a luz, e iluminam a constituição verdadeira dos povos. As manifestações das hordas são noturnas em suas
práticas, como em suas finalidades. As suas chamas projetam grandes sombras, e
são as sombras que se espalham sobre o mundo.
É óbvio que a persona de Dilma, ou as dos governadores
pegos pelo furacão, foram fortemente comprometidas. Embora todos eles sigam
dispondo de pleno tempo hábil a fazer limonada dos limões. Para o prefeito
paulistano e socialista fabiano Fernando Haddad, por exemplo, não é qualquer
sacrifício implodir o preço repassado aos usuários pelas passagens de ônibus e
sair-se por reformador e herói, obliterando qualquer outra causa com o impacto
de sua medida. Não é do seu bolso pessoal que sairão eventuais repasses às
empresas do cartel. Mas nada do que se está esboçando exigir nas ruas – se é
que há realmente alguma coesão para quando essas abstrações que se proferem
tiverem de ser subsumidas ao reino dos fatos – implica qualquer dificuldade
seja aos grupos, seja aos projetos de poder em curso no Brasil. Na verdade,
acelera-os ambos em suas trajetórias.
Reduzamos nossa escala
histórica. Vamos recobrar os dois movimentos de massa compositores do mito
fundacional da Nova República: as Diretas Já e o impeachment de Collor de
Mello. Seremos tolos ao ponto de querê-los espontâneos?
As Diretas Já acomodaram,
com perfeição cirúrgica, os interesses do establishment
político daqueles anos. Era sabido e consumado que o regime militar vivia, por
impulso próprio, seus últimos dias e esforçava-se, ele mesmo, a transferir o poder
para uma ordem mais aberta, sem rupturas institucionais. Cientes disso, aqueles
que tinham expectativa de conquistar os meios políticos institucionais para si –
até há pouco aglutinadas, mormente, sob o guarda-chuva do [P]MDB – quiseram
assegurar que o receberiam íntegro, indiviso, tão absoluto quanto o detido
pelos generais. Isso é, o instituto da Presidência da República haveria de
manter-se sobre todas as coisas, sem permitir cogitar uma divisão orgânica de
atribuições entre chefia de Estado (uma Casa Régia defensora das liberdades,
como escolhera a Espanha pós-Franco, ou um presidente formal) e uma chefia de
governo (um primeiro-ministro parlamentar), proposta cuja simples menção
causava urticárias à massa de futuros candidatos ao Planalto. Recordemos que o
mesmo já havia sucedido durante a breve experiência parlamentarista dos anos
1961 a 1963.
Com as Diretas Já, a
mentalidade popular brasileira foi moldada, precisamente, para confundir os
conceitos de democracia e de voto direto para a chefia de Estado (um passar d’olhos
pela Europa, novamente, bastaria a desmenti-los). O dano irreparável subsiste
aos nossos dias.
E o impeachment de Collor?
Convenhamos, nas fotos do período, mais chamativas que as caras-pintadas
eram-no as bandeiras do PT. Casos de corrupção e ilegalidades muito mais
prementes que os episódios de Fiats Elba
não fizeram cócegas a administrações anteriores. Sobretudo, Collor
surgia de um partido insignificante e contrariava interesses do Congresso, onde
não dispunha de base parlamentar.
Do movimento Fora Collor, ao
cabo, o porta-voz foi um certo Lindberg Farias. Se hoje precisamos de luzes,
aquela foi uma liderança que não demorou para assumir-se rubra – e agora é ele,
Lindberg, aliado a um Collor redivivo, o investigado por corrupção endêmica.
O fogo de palha daqueles
dias, se não deu em nada, marcou a história nacional para trocar o seis por
meia dúzia. Que desperdício de energia criativa!
Como constatamos, era válida
lá, como o é ora, a advertência do filósofo Olavo de Carvalho:
O que a massa sente e imagina não conta. O que conta é: quem comanda? Quem planejou? Quem subsidia? Qual a estratégia geral em que se insere o movimento? A massa, se surgir de dentro dela uma liderança antagônica aos organizadores iniciais, pode, é claro, mudar o curso das coisas, mas cadê essa liderança? Como ela não existe, os anticomunistas que participam dos protestos são a massa de idiotais úteis mais solícita que já existiu.
O pensador encerra com a
mais bem-vinda mimese: "Tudo neste mundo é difícil e trabalhoso. Esperar
de uma simples explosão emocional das massas uma transfiguração da realidade
histórico-social é aquilo a que Eric Voegelin chamava ‘fé metastática’, uma
doença gnóstica.”
______________________________
¹
Haveria
uma terceira tendência exegética, a da patuleia petista, que se sente traída
pela multidão e não sabe para onde dirigir sua raiva. Enquanto permanecerem
atônitos, não são significativos.
²
Leituras recomendadas sobre o tópico indicado:
- BERNARDIN, Pascal.
Maquiavel pegadogo – ou o ministério da reforma psicológica. Campinas – SP: Cedet,
2013.
- BORK, Robert H. Coercing virtue: the worldwide rule
of judges. Washington, D.C.: AEI Press, 2003.
- CARVALHO, Olavo de. A nova
era e a revolução cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci. 3. ed. revista
e aumentada. Texto integral disponível online.
- CORRÊA DE OLIVEIRA,
Plinio. Revolução e Contrarrevolução: edição comemorativa do cinquentenário da
publicação. São Paulo: IPCO, 2009.
- GOLITSYN, Anatoliy. New lies for old. United States: Penguin Putnam &
Children, 1990.
- HUXLEY, Aldous. Brave new world revisited. Texto integral disponível online.
- SANAHUJA, Juan Claudio, Mons. Poder global y religión
universal. Buenos Aires: Vórtice, 2010.
- STORY, Christopher. The
European Union collective: enemy of its Member States. Edward Harle Ltd., 2002.
Um comentário:
Ótimas sugestões de livros!
F.C.
Postar um comentário