“El
tonto grita que negamos el problema cuando mostramos la falsedad de su solución
favorita.” – Nicolás Gómez Dávila
![]() |
(Thomas Cole, "The Course of Empire: Destruction", óleo sobre tela, 1836) |
Os manifestantes de nossas
praças de guerra estão mesmo de parabéns. A democracia pós-moderna nunca foi
tão... moderna por estas bandas. É como 1789 sem os mercenários suíços e os
filósofos iluministas (sem filósofo nenhum, na verdade), ou 1992 sem Collor. Bom, não
exatamente sem Collor – já ninguém repara, mas ele segue lá.
Com ou sem violência, com ou
sem partido, mais ou menos "enragées", o máximo que as massas [e os homens massa, diria Ortega y Gasset] articulam é a exigência de um alguém que faça algo, em algum lugar, contra
alguma coisa que não se sabe bem o quê (ah!, é um "malaise" civilizacional, "Das Unbehagen in der Kultur"...), sendo cada vez
mais provável que obtenham o que pedem e muito mais: que os detentores do poder
aproveitem a deixa para reformarem as instituições um pouquinho mais próximas
ao seu [deles] gosto – "to fundamentally transform the world to make it
closer to the heart's desire", como propunha o velho adágio da Sociedade
[Socialista] Fabiana. No caso, o gosto da opressão e o desejo de poder sem
limites – o velho e bom espírito luciferino de revolta contra a estrutura mesma
do real, em que cabeças de noz pretendem forçar o universo pelo buraco de
agulha de suas percepções contingentes.
A baixa militância petista,
cumpridora diligente dos comandos de sua cúpula, já é vista a capitalizar sobre
a exigência difusa de "alguma mudança, alguma providência, alguma
atitude" a qualquer custo. Esses sim estão organizados, e há muito, para alavancar
um projeto de poder bem definido, contra o qual o único empecilho tem sido, ao
largo da Nova República, a morosidade das instituições democráticas. Vós,
briosos combatentes, tais como uma locomotiva desgovernada enfim estais vencendo
a lei da inércia. Por não terdes maquinista, leme ou prumo, a isso se traduz
descarrilar: joga-se fora o bebê com a água do banho, tudo a pretexto de
"fazer alguma coisa" seja lá o que for. Dizem que "o importante
é caminhar" e que "a utopia mostra a direção"... Quem caminha
olhando para o sol pode deixar de avistar o precipício iminente. Tanto marcham,
tanto lutam e praguejam, e para quê? Para o nada! Mas o nada não subsiste, quer
na sociedade, quer na natureza. Todo vácuo de poder e objetivo vem preenchido
cedo ou tarde.
Ora, o que querem eles? Tudo
teria principiado a pretexto de um aumento tarifário sobre transporte coletivo
e, num crescendo, veio a englobar qualquer reivindicação da metafísica influente,
sobretudo as de almoço grátis. Mas, supondo que haja alguma racionalidade na
grande marcha da vaca para o brejo, os jargões mais repetidos envolvem uma
revolta contra a política institucional em geral e, dela, “A Corrupção”, ente [aparentemente]
senciente.
Quem, contudo, em tese se
opõe a acabar com A Corrupção? Quem não o quer, assim, em abstrato? Os petistas
também o querem; querem-no o Sarney, o Collor, o Maluf, o Renan, o Lindberg (e
como o quer, o Lindberg!) e tutti quanti, ou assim o dizem. Até Dirceu
certamente se afirma contra A Corrupção. O PT criou-se para combatê-la, ela que
seria um "vício do sistema burguês". Ô, raios! E quem seria a favor
dela, então? Quem é o vosso inimigo? Caim, que matou Abel? A serpente que
convenceu Eva? Kali, a deusa hindu da destruição?
Ocorre que Lula, Dirceu e
Dilma adorariam "acabar com a corrupção" submetendo toda a vida
nacional aos interesses de seu partido, o Moderno Príncipe, sem possibilidade
de resistência a suas personalíssimas vontades. Se todos fossem compelidos à
obediência pela força real ou iminente (como em Orwell) ou infantilizados pela
dependência sistêmica e pela dissuasão psicológica (como em Huxley), não seria
necessário "convencer" as bases pelo bolso, não é?.E que tal a
ditadura? Para tanto, valer-se-iam de concentração de poder, cerceamento de
liberdades tradicionais, supressão de instâncias deliberativas e, por fim e em
suma, ideologização sub-reptícia de todos os aspectos da existência humana.
Tudo de que precisam para justificá-lo resume-se àquilo que ora estão recebendo
das ruas: mobilização. Qualquer mobilização. Tanto melhor se amorfa, vaga como
um contrato de cláusulas gerais de adesão.
Sarney, Renan e Collor
entendem "acabar com a corrupção" como torná-la desnecessária,
transmutando os privilégios do coronelato em um instituto consuetudinário
autoaplicável, e Márcio Thomaz Bastos, o defensor a soldo dos mensaleiros –
enquanto ministro, nada menos que o consultor do governo para a elisão de
crimes institucionais – publicou recente artigo em defesa dos protestos. Já o
baixo clero fisiologista dos parlamentos pretende "acabar com a
corrupção" ao pura e simplesmente torná-la legal e inescapável: tramitam
velozes os projetos legislativos envolvendo eleição por listas partidárias
fechadas e financiamento estatal das campanhas políticas.
Assim, ao passo que uns
demandam ao trabalhador pobre, pagador de impostos, que sustente os "road
trips" urbanos da estudantada abastada e maconheira, a liderança
filopetista já se aproveita para alavancar, sob o pretexto de "fazer
alguma coisa" e atender aos "anseios populares", a reforma
política iníqua e gritantemente autoritária com que sonha há tantos anos,
incluindo o "passe livre" da boa vida para a máquina partidária.
Financiamento público de campanha significa transformar o oficialato dos
partidos em verdadeiros burocratas públicos. Sem concurso e, sobretudo, sem
qualquer obrigação para com o bem comum, pois a serviço exclusivo da tomada do
poder.
Enquanto os manifestantes –
refiro-me, agora, à suposta maioria de bem-intencionados, não aos terroristas
originais que ainda tocam a boiada – não tiverem um consenso próprio de razões
tangíveis, ou seja, não souberem formular sua pauta e tudo se resumir a
"um sentimento difuso", um certo "mal-estar", não faltará
quem lhes administre o remédio que bem entender.
Anseiam tanto por mudanças que jamais se detiveram a estudá-las; correm o sério risco de serem convertidos em seu efetivo instrumento à revelia. Transmutados não só em objeto das próprias pulsões, como todo o indivíduo que ingressa em uma multidão, mas sobretudo em brinquedo daqueles que, da anarquia, tiram proveito. Pobre, soberba juventude, uma vez mais submetida a técnicas de engenharia social, política e comportamental que os impede de relacionar conceitos abstratos e informações sensíveis. Acontece diante de seus próprios olhos: impondo sobre a cidade verdadeiro cárcere privado, deitam falar em "reforma agrária e reforma urbana"; conduzidos por uma vanguarda do atraso que vandaliza os parcos meios de subsistência de uma gente já pobre e sofrida, imaginam que tudo estará bem e que o saldo será o de um "protesto pacífico" se, assistindo de camarote ao terror, limitarem-se a entoar para seus líderes que era tudo para ser "sem violência!". Como se não soubessem ser a presença deles próprios a condição de possibilidade para o extravasar de uma tal hubris.
Aceitando ações fundamentalmente cerceadoras como libertárias e acumpliciando-se de fenômenos intrinsecamente violentos e injustos em nome da harmonia e da justiça (ao revés, Santo Tomás ensina-nos que o verdadeiramente bom e verdadeiramente justo deve sê-los tanto em seus meios, quanto em seus fins), o sujeito, qual espécime de laboratório, acaba introduzido à distopia orwellana onde guerra é paz; liberdade é escravidão; ignorância é força; assim como caos é ordem; assassinato é nascimento; saque e depredação são solidariedade e construção de um país melhor. Tanto duplipensar, causa e conseqüência da mais endêmica dissonância cognitiva, introjetado tão violentamente por tamanha estimulação contraditória, traz como propósito único e deliberado incapacitar a mente a apreender, de forma imparcial e autônoma, qualquer resquício objetivo da realidade. Sem o princípio de não-contradição, o raciocínio humano é simplesmente inviável.
Anseiam tanto por mudanças que jamais se detiveram a estudá-las; correm o sério risco de serem convertidos em seu efetivo instrumento à revelia. Transmutados não só em objeto das próprias pulsões, como todo o indivíduo que ingressa em uma multidão, mas sobretudo em brinquedo daqueles que, da anarquia, tiram proveito. Pobre, soberba juventude, uma vez mais submetida a técnicas de engenharia social, política e comportamental que os impede de relacionar conceitos abstratos e informações sensíveis. Acontece diante de seus próprios olhos: impondo sobre a cidade verdadeiro cárcere privado, deitam falar em "reforma agrária e reforma urbana"; conduzidos por uma vanguarda do atraso que vandaliza os parcos meios de subsistência de uma gente já pobre e sofrida, imaginam que tudo estará bem e que o saldo será o de um "protesto pacífico" se, assistindo de camarote ao terror, limitarem-se a entoar para seus líderes que era tudo para ser "sem violência!". Como se não soubessem ser a presença deles próprios a condição de possibilidade para o extravasar de uma tal hubris.
Aceitando ações fundamentalmente cerceadoras como libertárias e acumpliciando-se de fenômenos intrinsecamente violentos e injustos em nome da harmonia e da justiça (ao revés, Santo Tomás ensina-nos que o verdadeiramente bom e verdadeiramente justo deve sê-los tanto em seus meios, quanto em seus fins), o sujeito, qual espécime de laboratório, acaba introduzido à distopia orwellana onde guerra é paz; liberdade é escravidão; ignorância é força; assim como caos é ordem; assassinato é nascimento; saque e depredação são solidariedade e construção de um país melhor. Tanto duplipensar, causa e conseqüência da mais endêmica dissonância cognitiva, introjetado tão violentamente por tamanha estimulação contraditória, traz como propósito único e deliberado incapacitar a mente a apreender, de forma imparcial e autônoma, qualquer resquício objetivo da realidade. Sem o princípio de não-contradição, o raciocínio humano é simplesmente inviável.

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Leitura recomendada:
- Discurso do presidente francês Nicolas Sarkozy, então candidato ao dito cargo, frente ao lotado estádio de Bercy, Paris, em tradução de Leonardo Faccioni.
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