"Os participantes de um
movimento político normalmente ignoram seu fim, seu motivo e sua origem." –
Nicolás Gómez Dávila
Ao passar os olhos sobre as redes sociais, tidas como origem de toda a agitação popular, percebo duas
tendências exegéticas bastante claras frente aos últimos acontecimentos¹:
estudiosos que concebem a política a longo prazo, em função de um bem comum objetivo
e transcendente, encontram-se cautelosos e preocupados; valentes de bom
coração, trôpegos curiosos e militantes que planejam para a próxima eleição
estão eufóricos com tanto movimento, inédito à maioria.
Como apaixonado pelos
clássicos, embora adorasse acompanhar o entusiasmo dos segundos, não me é dado
segui-los. A bibliografia que tenho reunido ao longo de já longos e árduos anos
não mo permite. Minha constituição intelectual, mesmo que não valha gran cousa,
não mo permite. Eu não posso aceitar ser guiado como manada do nada ao lugar
nenhum. Se a natureza não aceita o vazio, serei eu a proclamá-lo boa meta para
a civilização?
Parafraseando Chesterton (mencionei
a passagem lá pelos idos do Conclave, também, quando a tropa comemorava o
"iminente fim da Igreja Católica" – a propósito, teria sido
postergado?), a sabedoria da continuada investigação sobre a verdade,
empreendida pelo homem em um contínuo de lá se vão quase três mil anos,
permite-nos avaliar as coisas do modo com que comovem a humanidade, e não
apenas pelas últimas notícias dos diários. E o que estou a ver – sinto muito,
gostaria de poder ignorá-lo! – difere de todos os momentos que tenham, em
qualquer contexto histórico, levado às grandes realizações do espírito. Nenhum
deles deu-se assim. Ao contrário, essa que está aí foi a configuração perfeita
para fortes reveses civilizacionais. Entre eles contam-se seus precedentes. E eu
não posso me permitir calar ao ver filme repetido. Serei chato. Anunciarei o spoiler, sim. Porque a miséria e as
balas, aqui, não são cenografia e festim.
Quando toda a agitação
atingir sua encruzilhada, entre três vias apenas haverá por decidir: a do fogo
de palha, que logo se consome e deixa pouco mais do que cinza e poeira; a de um
crescendo autoritário, em que a mobilização de massa efetive-se como condição
de possibilidade para a desinstitucionalização. A última, menos provável de todas,
única capaz de deixar ao país um legado positivo, é o despontar de uma liderança
iluminada. O diabo – com o perdão da palavra – é que, entre nós, esse vocábulo ("iluminada")
reveste-se mesmo de conotações sobrenaturais, pois tal liderança ora não
existe, e seu surgimento demandaria uma intervenção direta do Criador na História. É a esperança de um
milagre.
Entrementes, vejamos as
grandes manifestações cívicas, as verdadeiramente positivas. Estas são
destinadas não a romper, mas a restaurar a ordem mais perfeita a uma dada politeia. Neste exato momento as encontramos
quer na Europa, quer nos Estados Unidos, e diferem das nossas em forma e em
substância, a um ponto tal que se faz visível: basta um bater de vistas. Dias
atrás, eram quantos milhares, em Paris e por toda a França, contra a agenda do
governo deles (idêntica à do nosso, apontemos, porque sacramentada desde as
agências da ONU e coordenada pelas mesmas fundações transnacionais²)? E nos Estados Unidos? E qual o
saldo? Efetivamente, os governantes de lá aquartelaram-se, temerosos. Hussein Obama,
o Grande Irmão infanticida, está às turras pela descoberta de uma pequena parte
da teia que teve de armar para proteger seus programas apátridas contra a ação cidadã.
É que esses movimentos, lá, efetivamente são um empecilho aos projetos de poder
dos governantes, porque trazem pautas e projetos completamente alheios à
vontade dos últimos. São uma alternativa real.
Já o modelo de protesto que
se trouxe para cá não foi o do civismo restaurador. Foi, em parte, o surgido
nas periferias das capitais europeias, com a segunda geração de imigrantes de
países muçulmanos, que, à diferença de seus pais – eternamente gratos pela
acolhida redentora –, eis que sem conhecer os comos e porquês de onde se encontram, têm absolutamente toda a sua existência
custeada pelos Estados, mas, ainda assim (porque assim!), guardam em seu âmago
uma frustração voraz. Demandam do Estado, a qualquer custo, que obtenha
mais meios de ação para desviar às suas vontades. Querem ser servidos com
mais, e muito mais, como o monstro sem fundo da noite escura, cuja fome, se
pudesse, devoraria o mundo inteiro sem quedar saciada. Fazendo-o,
imaginam-se grandes rebeldes e matutos contestadores da ordem estabelecida.
É também o modelo dos
ativistas de 1968, que, conforme já apontamos em comentário anterior, agindo
exatamente assim, foram os responsáveis diretos pelo estado atual das coisas no
ocidente. Pior: mesmo a pauta destes era infinitamente mais precisa, tanto em
meios, quanto em fins, do que a que se está afirmando no momento presente.
Pior de tudo, traz os mesmos
signos e agentes inconfundíveis de um terceiro elemento, surgido na esteira da
experiência islamista europeia e levantina, mas aperfeiçoado para
universalizar-se: os movimentos anárquicos e predatórios dos Occupies americanos, que incorporam a
pura fúria disruptiva dos fanáticos de um lado, e a agenda de reengenharia
comportamental muito cara aos pedagogos da academia, de outro, atualizando o
discurso neomarxista para a era das redes. Lá, como cá, pautas, condutas,
vocabulários de extrema-esquerda forçam sua dialética sobre governos em si
mesmos esquerdistas. No mais das vezes, a juventude que deseja integrar a
vanguarda dessas causas, de conteúdo necessariamente indefinido, sequer se dá
conta de suas implicações. Não é preciso que se dê. Basta que a leve adiante. “O
importante é caminhar...”, convence-os a elite de ideólogos que vê de sobre as
brumas, do ponto supremo da nau.
As manifestações cívicas
buscam a luz, e iluminam a constituição verdadeira dos povos. As manifestações das hordas são noturnas em suas
práticas, como em suas finalidades. As suas chamas projetam grandes sombras, e
são as sombras que se espalham sobre o mundo.
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Prudência - a rainha das virtudes cardeais. |
Impactos
políticos mediatos e imediatos
É óbvio que a persona de Dilma, ou as dos governadores
pegos pelo furacão, foram fortemente comprometidas. Embora todos eles sigam
dispondo de pleno tempo hábil a fazer limonada dos limões. Para o prefeito
paulistano e socialista fabiano Fernando Haddad, por exemplo, não é qualquer
sacrifício implodir o preço repassado aos usuários pelas passagens de ônibus e
sair-se por reformador e herói, obliterando qualquer outra causa com o impacto
de sua medida. Não é do seu bolso pessoal que sairão eventuais repasses às
empresas do cartel. Mas nada do que se está esboçando exigir nas ruas – se é
que há realmente alguma coesão para quando essas abstrações que se proferem
tiverem de ser subsumidas ao reino dos fatos – implica qualquer dificuldade
seja aos grupos, seja aos projetos de poder em curso no Brasil. Na verdade,
acelera-os ambos em suas trajetórias.
Reduzamos nossa escala
histórica. Vamos recobrar os dois movimentos de massa compositores do mito
fundacional da Nova República: as Diretas Já e o impeachment de Collor de
Mello. Seremos tolos ao ponto de querê-los espontâneos?
As Diretas Já acomodaram,
com perfeição cirúrgica, os interesses do establishment
político daqueles anos. Era sabido e consumado que o regime militar vivia, por
impulso próprio, seus últimos dias e esforçava-se, ele mesmo, a transferir o poder
para uma ordem mais aberta, sem rupturas institucionais. Cientes disso, aqueles
que tinham expectativa de conquistar os meios políticos institucionais para si –
até há pouco aglutinadas, mormente, sob o guarda-chuva do [P]MDB – quiseram
assegurar que o receberiam íntegro, indiviso, tão absoluto quanto o detido
pelos generais. Isso é, o instituto da Presidência da República haveria de
manter-se sobre todas as coisas, sem permitir cogitar uma divisão orgânica de
atribuições entre chefia de Estado (uma Casa Régia defensora das liberdades,
como escolhera a Espanha pós-Franco, ou um presidente formal) e uma chefia de
governo (um primeiro-ministro parlamentar), proposta cuja simples menção
causava urticárias à massa de futuros candidatos ao Planalto. Recordemos que o
mesmo já havia sucedido durante a breve experiência parlamentarista dos anos
1961 a 1963.
Com as Diretas Já, a
mentalidade popular brasileira foi moldada, precisamente, para confundir os
conceitos de democracia e de voto direto para a chefia de Estado (um passar d’olhos
pela Europa, novamente, bastaria a desmenti-los). O dano irreparável subsiste
aos nossos dias.
E o impeachment de Collor?
Convenhamos, nas fotos do período, mais chamativas que as caras-pintadas
eram-no as bandeiras do PT. Casos de corrupção e ilegalidades muito mais
prementes que os episódios de Fiats Elba
não fizeram cócegas a administrações anteriores. Sobretudo, Collor
surgia de um partido insignificante e contrariava interesses do Congresso, onde
não dispunha de base parlamentar.
Do movimento Fora Collor, ao
cabo, o porta-voz foi um certo Lindberg Farias. Se hoje precisamos de luzes,
aquela foi uma liderança que não demorou para assumir-se rubra – e agora é ele,
Lindberg, aliado a um Collor redivivo, o investigado por corrupção endêmica.
O fogo de palha daqueles
dias, se não deu em nada, marcou a história nacional para trocar o seis por
meia dúzia. Que desperdício de energia criativa!
Como constatamos, era válida
lá, como o é ora, a advertência do filósofo Olavo de Carvalho:
O que a massa sente e
imagina não conta. O que conta é: quem comanda? Quem planejou? Quem subsidia?
Qual a estratégia geral em que se insere o movimento? A massa, se surgir de
dentro dela uma liderança antagônica aos organizadores iniciais, pode, é claro,
mudar o curso das coisas, mas cadê essa liderança? Como ela não existe, os
anticomunistas que participam dos protestos são a massa de idiotais úteis mais
solícita que já existiu.
O pensador encerra com a
mais bem-vinda mimese: "Tudo neste mundo é difícil e trabalhoso. Esperar
de uma simples explosão emocional das massas uma transfiguração da realidade
histórico-social é aquilo a que Eric Voegelin chamava ‘fé metastática’, uma
doença gnóstica.”
______________________________
¹
Haveria
uma terceira tendência exegética, a da patuleia petista, que se sente traída
pela multidão e não sabe para onde dirigir sua raiva. Enquanto permanecerem
atônitos, não são significativos.
²
Leituras recomendadas sobre o tópico indicado:
- BERNARDIN, Pascal.
Maquiavel pegadogo – ou o ministério da reforma psicológica. Campinas – SP: Cedet,
2013.
- BORK, Robert H. Coercing virtue: the worldwide rule
of judges. Washington, D.C.: AEI Press, 2003.
- CORRÊA DE OLIVEIRA,
Plinio. Revolução e Contrarrevolução: edição comemorativa do cinquentenário da
publicação. São Paulo: IPCO, 2009.
- GOLITSYN, Anatoliy. New lies for old. United States: Penguin Putnam &
Children, 1990.
- SANAHUJA, Juan Claudio, Mons. Poder global y religión
universal. Buenos Aires: Vórtice, 2010.
- STORY, Christopher. The
European Union collective: enemy of its Member States. Edward Harle Ltd., 2002.