domingo, 5 de junho de 2011

Nota musical

"Celui qui n'a pas vécu au dix-huitième siècle avant la Révolution ne connaît pas la douceur de vivre" - O desprezível Charles Maurice de Talleyrand-Périgord, primeiro Príncipe de Benevento. Como um relógio, podia estar certo duas vezes ao dia.
Num mundo tão pleno de melodia - há a música antiga, a clássica, a erudita; o coro gregoriano que evoca os sons do útero; há o jazz, a bossa nova e o rock'n'roll, ou outros mil timbres e arranjos dos folks de toda a Terra... jamais entenderei esse fascínio destrutivo das gentes pelo caos, pelo techno, pelo funk, pela completa anulação do ser. Sem medo do cliché: pelo nada.
Gritar a plenos pulmões e não ouvir a própria voz remonta-me sempre a algum pesadelo. Escapa-me, admito - talvez seja falha minha - diversão que se extraia disso. Perderei amigos, mas desejo ser límpido em minha hipótese. A civilização é órfã da valsa e do minueto, do madrigal e, por que não?, das tarantellas e mazurkas. A olhos vistos, pelo enegrecimento dos áureos salões. Foram o lar de todas as artes. Foram-se. Não voltam mais.
Enquanto dependentes do fogo, todas as reuniões buscavam a luz. Quando o domesticamos, escondemo-nos dela. Todos juntos, não nos reconhecemos - e não pelo fim dos bailes de máscaras februarinos. Não!  Mas pelo exato oposto. Pela não-forma confinam-se as multidões invisíveis. Em Veneza ou na Grécia, cambiavam-se as personas. No grande zunido hipermoderno, materializa-se a dor de persona não ser e de não haver uma cultura a encontrar. Sob o estrondo cataclísmico dos subwoofers, os átomos chocam-se no vazio.